quinta-feira, 29 de junho de 2017

ABOMINÁVEL SENSO-COMUM

          


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     A filosofia não se compadece com a amorfia, a indiferença ou a estagnação intelectual das criaturas; mas, pior do que isso é o encapsulamento narcisista, banal ou seguidista das mesmas, muito para lá de uma atitude reflectidamente filosófica. A filosofia radica na admiração e no espanto que tudo questionam, de forma crítica; na busca da verdade; na problematização da realidade envolvente, na certeza de que não existem certezas, dissipando, portanto, o dogmatismo, a caminho do conhecimento mais lato e libertador.


      Bertrand Russell (1872-1970) apontava o senso-comum como o fautor de preconceitos, convicções e crenças irrealistas, logo, desprovidos de razão. O indivíduo que se dá por satisfeito com as lengalengas, as cantilenas, as balelas e as atoardas do senso-comum, fecha-se sobre si mesmo, furtando-se ao mundo exterior e a toda a sua intrigante complexidade. Para ele só existe linearidade, vulgaridade, leviandade e pobreza de espírito.


       Não deve o homem cingir-se apenas aos instintos. Para quem se espanta, interroga e reflecte, não basta, no entanto, no dizer de António Sérgio (1883-1969), a atitude simplória, vulgar e deturpadora dos espíritos ingénuos, mas sim uma aturada moção crítica, autenticidade, método e cepticismo activo, face à clarificação das questões filosóficas elementares. E Sérgio acrescenta: “a filosofia é, em grande parte, a luta do bom-senso contra o [senso-comum]” (Sérgio, 1974: 6,7).


        Qualquer intelecto descomprometido deve ser capaz se se abstrair do espaço e do tempo; deve conseguir libertar-se de receios e de expectativas; é determinante que se dispa de crenças interiorizadas e de tradicionalismos balofos, rumo à contemplação filosófica, enquanto cidadão universal que se furta à especulação espiritual do seu mundinho intrínseco, subjectivado e egóico.


         O abominável senso-comum não satisfaz nunca quem quer saber e se interroga, nem é compatível com a contemplação filosófica, mas tem alimentado, no quotidiano, quem se acomoda e repete de ouvido o que se diz por aí... nos meios de comunicação social ou nas redes ditas sociais, e, hoje, mais do que nunca, caminhamos já para a “verdade” pré-formatada, para o pensamento único, para a perda da atenção dirigida e da capacidade de simbolização... “Não tenho palavras... Que quer que lhe diga?!” -- ouvimos nós, amiúde, dizer na televisão. “À verdadeira contemplação filosófica, muito ao invés, dá-lhe contentamento toda a ampliação do Não-Eu, – o que magnifica o objecto que se contempla, e, por aí mesmo, o próprio sujeito contemplador” (Russell, 1974: 240).


Bibliografia: RUSSELL, Bertrand. 1974. Os Problemas da Filosofia. Coimbra, Arménio Amado – Editor, Sucessor.



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