terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O INCONSCIENTE PESSOAL

     
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       A par da noção de inconsciente colectivo, também a ideia de inconsciente pessoal parte de Carl Gustav Jung (1875-1961), para assinalar todos os fenómenos psíquicos do homem, pautados, afinal, quer pela unidade, quer pelo todo da personalidade conjunta. Mas, esta última possui uma componente inconsciente, pelo que não pode ser considerada totalmente consciente, logo, adianta Jung, a noção de inconsciente pessoal é, em parte, empírica, sem deixar de ser um postulado. Dito de outro modo: abarca tanto o que foi experienciado, como o que não foi.  

   Há quem afirme que Jung, ao referir estas aptidões da personalidade humana, o faz recorrendo a conceitos colhidos nas ciências físico-naturais, e, sendo assim, o cientista opta mais por nomes e menos por ideias. Não obstante a constatação anterior, e tendo em conta o atrás referido postulado - o todo constituído pelo consciente e inconsciente -, tal axiomática é transcendente, uma vez que conjectura os aspectos inconscientes numa base empírica, dotando-os de uma essencialidade passível de ser parcialmente descrita, enquanto que a outra componente da mesma possui carácter ilimitado e só pode ser interpretada de acordo com as circunstâncias.

      Mesmo que consideremos o todo como uma mera abstracção (tal como animus* e anima* ), o mesmo não deixa de ser empírico, já que surge previamente no psíquico por meio de símbolos naturalmente auto-determinados, a exemplo da simbologia de quaternidade* e de mandala*, presente nos sonhos dos iletrados e na monumentalidade de todos os tempos e gentes.

    * Uma nota ainda sobre os conceitos "anima" (alma) e "animus" (espírito), que Jung utiliza para personificar as funções psíquicas e estabelecer um padrão definidor das mesmas: Anima tem a ver com a componente feminina do psiquismo masculino, enquanto que animus representa a vertente masculina do psiquismo feminino. Enquanto factores projectivos do inconsciente primitivo, quer os elementos anima, quer os animus, assomam arquetipicamente através de sonhos, visões e fantasias, podendo ser integrados na consciência, caso seja diluído o carácter projectivo.

     *Quaternidade - Jung refere a quaternidade quando fala no todo; trata-se de um arquétipo universal. O todo é composto por quatro partes, quatro caminhos para o crescimento psíquico, como no Budismo, quatro qualidades primitivas, quatro cores, quatro linhas psicológicas de referência: sensação; pensamento; sentimento; intuição.

       *Mandala - Esta palavra tem origem no sânscrito "círculo" e foi escolhida por Jung por designar o ritual circular e mágico no lamaismo e no Yoga, sendo usado como Yantra, quer dizer, instrumento de contemplação. Este símbolo, escreve Jung, «parece ser uma espécie de átomo nuclear sobre cuja estrutura última e interna nada sabemos.» 

O INCONSCIENTE COLECTIVO

   
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 Deve-se a Carl Gustav Yung (1875-1961) a noção de inconsciente colectivo; o cientista pretendeu, assim, fazer corresponder o âmbito psíquico ao físico, abarcando o conjunto dos fenómenos naturais que integram o instinto e os arquétipos, sendo estes os modelos de conduta e as produções do imaginário impessoal e intemporal, guardados no psiquismo do inconsciente colectivo. É nesta base que radica o desenvolvimento do psiquismo humano.

     Clarificando um pouco mais a presente noção, dir-se-á que arquétipo radica na ancestralidade, comportando o sentido platónico de ideia, isto é, Jung compara a filosofia natural de Platão e dos seus discípulos, enquanto base de toda a criação, aos padrões eternos e intemporais; por outras palavras, Carl Jung parte das ciências físico-naturais e refere que os arquétipos não são mais do que os instintos biológicos dos seres vivos. E acrescenta: "O inconsciente colectivo, na sua qualidade de conjunto de todos os arquétipos, é a manifestação de toda a existência humana desde os tempos mais remotos, não sendo, embora, uma manifestação morta nem um campo de ruínas abandonado. Trata-se, pelo contrário, de um conjunto vivo de sistemas de reacção e de conduta que, por caminhos invisíveis, e, por isso mesmo, tanto mais eficazes, determinam a vida individual. " (Problemas Psíquicos da Actualidade"). 

      Desta maneira, assomam os arquétipos, ao psiquismo humano consciente, de forma indirecta e simbólica, através de fantasias, sonhos, delírios e alucinações das criaturas do presente, provocando emocionalidade e sensações marcantes, num certo clima cujas raízes comportam algo de transcendente.


    Relativamente ao conteúdo do inconsciente colectivo, Jung questiona se estes factores não estarão ligados aos impulsos (imagens dinâmicas) e se as situações que os mesmos precipitam não se relacionarão com os padrões de comportamento generalizado dos indivíduos actuais.

      Por fim, Jung aponta, metonimicamente, para uma região psíquica ultrapessoal de grupos e colectividades, onde entronca o psíquico pessoal e todo o sistema funcional psicológico do indivíduo. A individualidade vai perdendo acuidade à medida que se avança mais intrinsecamente nas camadas mais profundas e obscuras do psiquismo, tornando-se aquela mais colectiva quando se chega perto dos sistemas funcionais autónomos, tornados universais, o que significa que se perdem na matéria orgânica, através das suas componentes químicas.

A NOÇÃO DE INCONSCIENTE

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   Sempre que nos deparamos com a palavra inconsciente, esta, invariavelmente, remete-nos para  Freud. Convém, no entanto, recordar a  filosofia natural de Plotino (204-270 d. C.), e a noção de inconsciente colectivo, no âmbito da sua teoria universal da alma - o psíquico, o homem e o cosmos são uma unidade apenas, afirmava o filósofo. Um milénio e meio depois, Schelling (1755-1854) defende a teoria da identidade, repescando ambas as noções de Plotino. Karl Gustav Carus (1789-1864) elege o inconsciente como o âmago da sua psicologia médica, e Hartmann (1842-1906) trata o tema do inconsciente na sua obra mais emblemática - "Filosofia do Inconsciente". Tendo em atenção o referido, Freud, enquanto neurologista, faz a sua parte, ampliando a abrangência da temática, tendo sido pioneiro na investigação aturada da psicologia inconsciente do psiquismo... o que não foi pouco, de resto.

      Freud, em um dos seus inúmeros escritos - "A Interpretação dos Sonhos", faz saber: « Há dois tipos de inconsciente que ainda não tinham sido distinguidos pelo psicólogo. Ambos são inconscientes no sentido psicológico mas, sob o nosso ponto de vista, o primeiro - a que chamamos inconsciente - é, além disso, incapaz de consciência, enquanto que o segundo - a que chamamos pré-consciente - por causa das suas excitações, de acordo com a continuidade de certas regras, é capaz de atingir a consciência, talvez não antes de ter passado de novo pela censura, mas, não obstante, indiferente ao sistema inconsciente».

       E Freud prossegue, falando da energia dos impulsos (líbido), quer dizer, a «catexe» que ocupa o conteúdo psíquico, cujo aumento do desejo desencadeia a repressão e a proximidade do inconsciente; quando esta energia se torna mais forte ainda e incide sobre certas pessoas  ou objectos - «catexe do objecto», pode determinar identificação com aqueles. É curioso notar que Adler tem optado por designar o mesmíssimo fenómeno por fixação, e Jung lhe tenha dado o nome de obsessão. Na prática, trata-se de mecanismos esquizóides, cuja exacerbação redunda em anomalias psíquicas, estados obsessivos, caprichos e ideias fixas que degeneram em psicoses. Infere-se daqui que a força primária do desejo ignora o tempo e a realidade exterior, porque quanto mais potenciada é, mais facilmente é  captada pelo inconsciente.

    Mas, espreitemos a psicologia analítica e separemos o inconsciente pessoal do inconsciente colectivo. Este é pré-humano e anterior ao consciente; reúne, posteriormente, o «espírito de finura (Pascal [1623-1662])* de todo o desenvolvimento humano. Já o inconsciente pessoal diz respeito a cada um dos indivíduos, e Jung afirma que, não sendo conscientes os fenómenos verificados àquele nível, não se ligam claramente ao ego; mais:  acrescenta ainda a ignorância do ego no caso da amnésia histérica, cujos conteúdos (imagens psíquicas do inconsciente) são passíveis de voltar à luz através do processo hipnótico, fazendo despoletar a actividade projectiva.
*Espírito de finura (Pascal) - aptidão intuitiva do ser humano para a apreensão imediata das coisas.    

domingo, 15 de janeiro de 2017

REGRESSO A CASA


               


               Três semanas sem ter podido ver Francisca, constituíam uma dolorosa eternidade para Duarte. A ausência da companheira transmitia-lhe um sentimento de vazio, de aparente suspensão do tempo, de vulnerabilidade, insuficiência, indefinição e perda de identidade. Finalmente, a jovem tinha ligado para o telemóvel do arquitecto, formulando um convite, de resto há muito esperado, para um almoço a dois, no dia e restaurante a decidir.


             Na manhã aprazada, ocorreu o encontro, em obediência a expectativas diversas, de acordo com a sensibilidade dual dos amantes. Como ainda era cedo para o repasto, depois de se terem saudado, rumaram ao café “Signo”, onde tiveram ocasião de conversar sobre uma infinidade de assuntos.

       Enquanto falavam, Duarte contemplava, absolutamente extasiado, o rosto de Francisca, as mãos, a textura suavíssima das coxas que uma bonita e leve mini-saia generosamente expunha, e experimentava aquela sensação única de quem acaba de regressar a casa, após um longo e sofrido exílio. Duarte pretendeu traduzir por palavras as impressões singulares que lhe arrebatavam a alma, mas limitou-se a fazer o registo indefectível dos sentimentos que naquele momento o faziam esvoaçar, inerme... inerte, bloqueado pelo doce torpor que a presença da rapariga sempre conseguia operar nele.


         Ela apresentara-se como era seu timbre, bela, sensual, insinuante, trajando um conjunto preto de saia e casaco elegantíssimo, sobre uma “T-shirt” verde, como o mar do seu olhar; no pescoço ostentava uma cruz em oiro maciço, que na ourivesaria tinha custado um preço agradavelmente pago pelo arquitecto, mas que no conjunto da sua figura, nenhuma riqueza poderia jamais resgatar. A negritude dos seus cabelos revoltos emprestava um relevo incomensurável aos traços genuína e singularmente únicos do seu rosto de Deusa cósmica, universal. O oásis de frescura do seu sorriso conseguia matar qualquer temor de abandono, qualquer prostração: ele era o Sol da própria vida, projectando zénites de pujança natural na unidade plena do seu corpo, na íntegra densidade das formas, naquela aparente paz de serem dois numa só alma de luz, e só luz imaterial, fragrante, intemporal.


             Para Duarte, mais importante do que o almoço tinha sido o reencontro, o entrever, o “regresso a casa”, a possibilidade de, pelo menos por momentos, ter conseguido reaver a alma que definitivamente entregara a Francisca.


          Também sabemos que o sol está sempre lá, todos os dias, mas se não o vemos, arrefecemos na penumbra da tristeza, da melancolia. Por isso mesmo, Duarte continua a pedir ao vento que afaste as nuvens que ofuscam o brilho natural que Francisca consegue irradiar e que faz dela o lar onde apetece, para sempre, morar.


NOTA: in O Souto dos Nobres, M. B. S. (1999)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O FRÁGIL TESOURO DA MENTE

                            



         Quando julgamos que nada mais nos surpreenderia, eis que somos invadidos – via rodapé televisivo (15/12/2016), leia-se –, por notícias preocupantes, bizarras, com origem na actual governação (neste caso particular, o executivo vigente e o Ministério da Educação) a traduzir, para já, a intenção de implementar, no âmbito dos 5.º e 6.º anos de escolaridade, a discussão do aborto. A ser verdade, tudo isto denota uma absurda ingerência na esfera parental, e  uma absoluta incompetência, para além de configurar uma confrangedora ignorância relativamente aos estádios psicológicos do desenvolvimento infantil – estas crianças encontram-se numa fase particularmente sensível, frágil, melindrosa, susceptível, não possuindo ainda o seu psiquismo (mental e orgânico) a maturidade e defesas necessárias, de forma a aceitar, perceber, interiorizar e digerir, serenamente, tão complexos e traumatizantes assuntos. 

          
      Não podem, nem devem os senhores do poder, cronologicamente adultos, mas  alegada e gnosiologicamente impreparados, raciocinar sobre questões que irão ser discutidas por crianças de tenra idade (entre os 9 anos e os 12), desconhecendo a forma de funcionamento dos cérebros infantis. A teoria do homúnculo já lá vai! O aborto só aos adultos diz respeito. Mas vamos a alguns conceitos estruturantes da matéria em questão, depois de, neste blogue, termos escrito já sobre “O Sexo Escolarizado”, “O Nexo do Sexo”, “Sexo e Sexualidade – Notas Conexas”.

            
              A educação da criança, desde o berço, prende-se com a necessidade de educar a rigidez e fixação dos seus instintos, dos impulsos primários, no sentido da socialização, da convivência integrada e pacífica de homens e mulheres, no âmbito do social harmónico e civilizado. De certa maneira, na linha de Klein e Piaget, também Henri Wallon nos fala dos impulsos iniciais, logo temperados de emotividade (estado emotivo) pela acção materna, ao qual se segue o estado sensório-motor, a preceder o pensamento verbal e a abertura ao exterior gradativamente alargado. Tudo a seu tempo, sendo imperioso que a educação (formação e informação) se desenrole de acordo com a necessidade gradual de conhecimento da criança. Nunca colocar o carro à frente dos bois!


            É fundamental que a criança possa, paulatinamente, ao seu ritmo, mormente no que respeita à sexualidade, ir integrando afectivamente a informação e formação, de forma a que esta seja validada sem a prevalência de traumas, isto é, em harmonia dialéctica entre os objectos interiores inconscientes e os exteriores, principalmente em contexto situacional da triangulação edipiana e da escolha objectal maturada. Quando nos escritos atrás referidos, aludimos a uma eventual formação escolar transversal a todas as disciplinas, quisemos significar, sublinhar, relevar a importância e o alcance desta matéria, a vários níveis: higiene mental e genital; psicológica e sociológica; biológica, anatómica e fisiológica. Não inconsequentemente eleitoralista, nem desligada de um fio condutor equilibrado, sensato e adequado ao nível etário/mental (nem sempre se equivalem) dos alunos.


            Na prática, e no que a esta área do conhecimento diz respeito, deve pretender-se estabelecer, conforme as idades, um constructo paradigmático, devidamente enquadrado conceptualmente a partir da factualidade observada, que aponte para uma síntese, envolvendo a finalidade das várias vertentes da evolução sexual e afectiva da criança e do jovem, sem extrapolações desajustadas, para que, no estado adulto, as coisas possam funcionar de forma sadia e gratificante. Recorde-se que, só há pouco mais de meio século foi descoberto que o papel regulador da vida afectiva se prendia com a fisiologia dos centros diencéfalos (tálamo e hipotálamo).




            Desta maneira, torna-se-á expectável poder falar de realização existencial plena, sem traumas nem complexos, aliando a natural convergência da finalidade biológica (acto sexual responsável, provido de emoção genital devidamente integrada socialmente); da psicológica (carreando a errância do desejo [imaginário simbólico inconsciente] para uma escolha objectal [real] mais firme, duradoura ou até exclusiva); da motricidade, a um tempo cenestésica e cinética (possibilitadora do acto propriamente dito, quando, na dinâmica da envolvência, o desejo do indivíduo é dirigido ao desejo do outro e se verifica, sem angústia nem culpabilidade, a natural e tácita convergência dos afectos, na fusão dos corpos e das almas).

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

DIÁFANO




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És o corpo que me resta
referente essencial
que nenhum signo atesta
pr'a lá do bem e do mal

Sou no gume da navalha
algo mais que se perdeu
por tricotar fica a malha
novelo que'ensandeceu

Serás sonho ou pesadelo
emoção mal percebida
vão desejo rude apelo
disforia incandescida?

Somos mesmo já ninguém
no cansaço de saber
espaço do tempo quem
é verdade de não ser