segunda-feira, 21 de novembro de 2016

ADOLESCER PARA CRESCER (II)



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       Os filhos só podem ser compreendidos e apoiados pelos pais, se forem efectiva e objectivamente aceites e amados por estes e para lá destes, isto é, sem fixações neurosadas e debilitantes. O primeiro vínculo sadio à mãe, conforme tentámos dar a perceber no escrito anterior, prepara a criança para uma necessária individuação, operada através de respostas emocionais e materiais, visando uma primeira elaboração dos objectos internos e da capacidade de pensar, uma vez contido e transformado o sofrimento depressivo em esperança e amor. Mas rumemos à adolescência!

            Desde logo, importa não perder de vista a dualidade contextual interactiva interna e externa, que serve de pano de fundo (ambiente) ao adolescente, e de cuja influência recíproca se pauta o desenvolvimento do indivíduo em causa, para o bem e para o mal. De acordo com Freud, a realidade interna configura o conflito de gerações, e, a externa está ligada à substituição dos objectos de amor iniciais, por novos investimentos e identificações fora da família. Este processo, por um lado, pode não ser pacífico, devido à radicalidade da mudança, e, por outro, é susceptível de gerar novas conflitualidades, ao sabor do jogo inconsciente das sensibilidades redimensionadas, face à heteróclise dos adultos em presença.

            No âmbito desta complexa transição, Anna Freud (1958) sublinha a necessidade que o adolescente enfrenta de fazer o luto pelos objectos abandonados, como forma de defender e reforçar o próprio ego. Já Loewald (1962) refere que esses mesmos objectos não são de todo apagados do psiquismo do sujeito, o que favorece a sua emancipação. Por sua vez, Amaral Dias & Nunes Vicente (1984) apontam a fundamentalidade deste tipo de luto que se manifesta através de vários outros a saber: segurança, renovação do objecto edipiano, ideal do Eu, bissexualidade e grupo. Desta forma, estes emprestariam uma nova dinâmica intrapsíquica ao indivíduo, reforçando a sua capacidade egóica de autonomização (Fleming, 2004, pp. 44 e45).

            No entanto, estas mudanças bruscas e complexas são difíceis de enfrentar, até porque o adolescente irá sentir internamente a irrupção de uma renovada energia emocional e afectiva, a impor uma estranha clivagem face à família (pais), na procura da individuação e das relações de objecto. Essa busca é promovida pelo próprio fenómeno adolescente, determinando um arrefecimento emocional e afectivo face à família e à dependência desta, trabalhando a individuação no sentido de um self autonomizado. Nesta fase é primordial a firmeza e maturidade dos pais, para que não se adulterem as representações objectais do adolescente, na sequência da perda dos objectos infantis internos. A construção da autonomia deve prosseguir para a formação da identidade, mas ambas dependem do ritmo e qualidade da individuação e do desenvolvimento do ego (Blos, 1967; Mahler, 1963; Josselson, 1980, in Fleming, 2004, pp. 46, 47 e 48).

            Erikson (1968) aponta a capacidade do sujeito ultrapassar as várias crises da adolescência, como mais-valia do reforço da identidade, ao integrar as “identificações infantis precoces” em outras componentes psicopessoais e sociais, na procura de diferenciação e distância dos pais, contestando a estrutura e a organização familiares; desta forma consegue reconfigurar os objectos internos e externos, vivenciando novos papéis e competências, aprendendo a decidir e a saber agir, num crescendo de maturidade pessoal, mental e afectiva – recorde-se que é nesta altura que a afectividade começa a ser matizada pela sexualidade. Não comprometam os pais este processo, precarizando a qualidade dos vínculos essenciais pré-existentes, até porque, segundo Bowlby (1969), a alternância entre aproximação e afastamento à família, nesta fase da vida, não significa uma quebra definitiva (Fleming, 2004, pp. 50, 53 e 55).

            A autora investigada recorda a seguir o contributo de Amaral Dias (1988), alicerçado em Bion, referindo as “ansiedades claustrofóbicas” do adolescente: no cenário conflitual de gerações, o sujeito projecta no continente grupal todas as angústias constituídas pelas “partes idealizadas e persucutórias de si” (ambivalência parental) “contidas por identificação projectiva, em outros iguais a si”, podendo introjectar elementos que favoreçam a identidade* ou, pelo contrário, se o continente se mantiver rígido, devolvendo apenas as partes persecutórias e não as idealizadas, instaura a idealização omnipotente, impedindo o crescimento, a autonomia e a independência psicológicas (Fleming, 2004, p. 56).

            As alterações biológicas, psicológicas e sociais despoletadas pelo processo adolescente, abalam toda a realidade familiar, sendo, no entanto, extremamente saudável estar preparado para saber e poder render cabalmente as gerações precedentes, o que não implica o corte radical e definitivo com a família nuclear, desde que as partes saibam agir de forma madura e equilibrada, aceitando os respectivos papéis de diferenciação*, individuação*, autonomia e separação, sem condicionalismos redutores, frustrantes e regressivos, nem precipitações eivadas de egoísmo e abandono persecutório... E muito mais haveria ainda para dizer sobre a matéria tratada...

            Notas conceptuais*: identidade – conforme Loevinger (1976), trata-se de “um sentido emocional sobre o self, uma percepção de bem-estar e de coerência entre o passado, o presente e o futuro (...)”, aliados à interiorização intelectiva desses constructos (Fleming, 2004, p. 84);
            Diferenciação – segundo Sabatelli & Mazor (1985) é uma “propriedade do sistema familiar” que explica a manutenção das distâncias psicológicas e as adaptações sistémicas operadas (Fleming, 2004, p. 74);   
            Individuação – para Sabatelli & Mazor (1985) é um “processo de renegociação da dependência psicológica face aos outros”, condicionado pelo grau emocional (salutar ou doentio) de ligação à família (Fleming, 2004, p. 74).
           


            Referências bibliográficas:
           
            Dias, C. A. & Fleming. M. 1998. A Psicanálise em Tempo de Mudança – Contribuições teóricas a partir de Bion. Biblioteca das Ciências do Homem. Edições Afrontamento. Porto.

            Fleming, M. 2004. Adolescência e Autonomia – O desenvolvimento psicológico e a relação com os pais. Biblioteca das Ciências do Homem. Edições Afrontamento. Porto.

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