sábado, 19 de março de 2016

"VELHOS SÃO OS TRAPOS"





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         Num mundo cada vez mais evoluído e contraditório, cada vez mais complexo e castigador, cada vez mais ardiloso e frustrante, que lugar cabe aos velhos ocupar?! Todos sabemos que o mercado de trabalho se encontra, neste decrépito início do século XXI, muito mais sofisticado e exigente, exíguo e particular, ao mesmo tempo que se dispõe apenas a oferecer condições laborais precárias, menos condignas e pior remuneradas. Além do mais, sublinha sempre aquela espécie de absurdo condicional que contempla, a um tempo e sem transigências, uma multiplicidade de competências que vão desde as habilitações gerais às específicas, passando por um determinado conjunto de anos de experiência prática (?!), idade entre os 25 e os 35 anos, viatura própria, disponibilidade total... e por aí fora.
           
            Nesta conformidade, está instalada a trapalhada e, os velhos, leia-se, acima dos 35 anos, ou recorrem à mendicidade – passiva ou activa –, isto é, ou se encostam à família cuja progénie tinham já rendido através da salutar autonomização, emancipação e independência, ou vão mesmo estender a mão à caridade alheia. É que os desta fase etária, ainda que não sendo velhos, são já olhados como trapos, desperdícios sociais. Aos velhos propriamente ditos, acima dos 60 anos, caso tenham conseguido manter o emprego, exige-se-lhes que continuem a trabalhar até aos 67 anos, até ver... O discurso habitual é que o dinheiro é sempre escasso, quando se trata de pessoas; não para a Banca ou para a gula dos mercados, para as negociatas suicidas do estado, para aplicar nas insidiosas manobras de criação de factos consumados que visam inflacionar artificialmente os custos, entre outras estratégias aberrantes.

            Mas, para quem deixou já as rotinas laborais, o tempo, os recursos e todo o tipo de relações humanas irão sofrer, por isso mesmo, alterações drásticas, a vários níveis: a interacção profissional, sindical, política, familiar, social dilui-se ou desaparece mesmo de acordo com determinadas vertentes do protagonismo anteriormente levado a efeito, dando lugar ao esvaziamento relacional. Ainda por cima, o cinismo ideológico colocado ao serviço da incompetência governamental, volta a aplicar os mesmos impostos que tinham já tributado o vencimento bruto dos trabalhadores no activo, sobre a parte deduzida para efeitos de aposentação e reforma, sendo esta agora objecto de uma dupla tributação, para além de sobre-taxas e outras subtracções impensáveis. Esta referência deve-se ao facto de, na prática, o reformado estar coagido a não ser mais do que um mero consumidor, pois todos os outros papéis lhe foram sonegados, mas nem assim o respeitam. E, como se tudo isto não bastasse, muitos ficam mais tristes, sós e abandonados, quando surge a viuvez.

            É neste contexto que se vai alterando, gradual ou bruscamente, o “self”, “O Sentimento de Si, do corpo, da emocionalidade, da consciência” (Damásio, 2013), a requerer uma nova energia, no sentido de um novo equilíbrio de readaptação ao social que não frustre o ideal a que o “self” se deve reajustar.

            O psiquismo dos indivíduos com mais de 60 anos sofre ainda a pressão exercida pelo paulatino decréscimo de energia física e anímica e a consequente perda de mobilidade; a perda da acuidade visual e auditiva (embotamento dos sentidos), logo, do interesse intelectual; tudo somado, provoca efeitos psicológicos e afectivos demolidores, menor interacção com os outros e perda da realidade de si.

            Tal como o progresso, também a crise acaba por ser um pau de dois bicos na situação constrangedora/confrangedora a que estão sujeitos os maiores de 60 anos. Por tudo isto, que lugar cabe hoje aos velhos ocupar?! Conforme se depreende da leitura dos parágrafos anteriores, nomeadamente quando se fala de critérios de selecção para novos empregos, ou de desemprego prematuro, de longa duração ou definitivo, os velhos têm sido instados, face à actual quebra da coesão económica e social de cariz institucional, a retomar o papel de cuidadores, partilhando os seus parcos e (sub)traídos recursos com os filhos e familiares mais próximos, o que não deixa de lhes conferir uma certa utilidade actuante. Esta realidade tem efeitos duais, ou seja, se, por um lado, precariza as suas vidas materiais, por outro, esse culto altruísta faculta-lhes o incremento da auto-estima, do amor-próprio, do seu lugar de pertença e inserção, atenuando aquilo a que alguém chamou – “complexo do ninho vazio”. Mas isto, só se passa, quando os familiares beneficiados conseguem reconhecer o esforço dos ascendentes, sabendo ser humildes, respeitadores e agradecidos.

1 comentário:

  1. Mais uma vez li este seu admirável texto e concordo com o que escreve. O facto é que neste momento, neste país, são os ditos "velhos" que aguentam as famílias e não deixam que os "novos" caiam na miséria...
    Um beijo, amigo.

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