sexta-feira, 25 de março de 2016

A ESPERANÇA DEVIDA

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       A esperança devida... Sim, claro, a esperança que nos é devida, a nós que integramos a espécie humana e que temos o direito e o dever de tudo fazer, dentro dos limites do razoável, do sensato, e no âmbito da comunidade dos homens de boa vontade, sem atropelo das normas mais elementares da democracia e da liberdade que propicia a coexistência pacífica e a coesão social. É que tem sido esse tipo de esperança, saudável e legítima, que tem potenciado a extensão da outra esperança, a de vida, aumentando o tempo de convívio, entre si, dos seres humanos, sine die e à face do planeta, até idades invejáveis.

            Esta é, sem dúvida, uma realidade em alta, nos dias que correm, e que se tem vindo a verificar, grosso modo, desde o período que se seguiu ao final das hostilidades ocorridas, a nível mundial, entre o ano de 1939 e o ano de 1945 – Segunda Grande Guerra. Por um lado, foram sendo criadas melhores condições de vida para a generalidade dos cidadãos, foram surgindo melhores empregos, melhor remunerados e respeitando a necessidade de lazer dos trabalhadores; melhor apoio à infância e à adolescência; começaram a aparecer novas empresas a explorar de forma mais eficaz as matérias-primas do planeta, novas descobertas ao nível da ciência médico-medicamentosa, entre muitas outras factualidades. Tudo isto, viria a reforçar a consistência da esperança que nos é devida, e, portanto, a nossa esperança de vida.

            Por outro lado, no entanto, e reportando-nos nós ao mesmo período histórico-temporal, quanto maior é o desenvolvimento maiores se nos apresentam as contradições inerentes a esse mesmo progresso, por força da loucura dos homens. No prefácio do nosso romance O Chão dos Sentidos (Santos, 2013: 18), citamos James Lovelock, devido à extraordinária lucidez com que este cientista interpreta a humanidade: não existe, diz ele –, porque “existem apenas seres humanos, movidos por ilusões e por necessidades em conflito, e sujeitos a toda a espécie de enfermidades da vontade e do juízo”. Pois é este o outro lado da moeda que nos coarcta a esperança devida e nos tolhe a esperança de vida.

       Isto acontece, por força de interesses belicistas inconfessáveis a que estão associadas as guerras e tudo o que estas precipitam, a saber a mortandade indiscriminada, as perseguições, as destruições massivas (pessoais e materiais); pelas agressões ao equilíbrio planetário e pelas consequentes calamidades climáticas; pelo fim da regulamentação dos mercados e da correlação entre o ouro e o papel-moeda; pelos acidentes motorizados; pelos ataques terroristas; pelas doenças da modernidade (a diabetes, as cardio-vasculares, os cancros, as respiratórias, as várias psicoses e outras)... Tudo isto mata ou descaracteriza o indivíduo, muito mais do que à primeira vista pode parecer.

      E, porque a esperança que nos é devida deve ser sempre a última a morrer, terminamos, agora, com uma citação própria, colhida do nosso mais recente romance As Cores da Alma (ainda na gaveta: 135): “Ainda assim, em períodos críticos de caos, de guerra ou de desgraças acidentais, e ao contrário das restantes espécies animais, só o homem é capaz de protagonizar gestos de solidariedade, empatia e altruísmo, talvez para compensar certas atitudes extremas, visíveis ou subreptícias, manifestas ou encapotadas, registadas no dia-a-dia dos relacionamentos familiares, sociais, laborais ou institucionais”.

sábado, 19 de março de 2016

"VELHOS SÃO OS TRAPOS"





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         Num mundo cada vez mais evoluído e contraditório, cada vez mais complexo e castigador, cada vez mais ardiloso e frustrante, que lugar cabe aos velhos ocupar?! Todos sabemos que o mercado de trabalho se encontra, neste decrépito início do século XXI, muito mais sofisticado e exigente, exíguo e particular, ao mesmo tempo que se dispõe apenas a oferecer condições laborais precárias, menos condignas e pior remuneradas. Além do mais, sublinha sempre aquela espécie de absurdo condicional que contempla, a um tempo e sem transigências, uma multiplicidade de competências que vão desde as habilitações gerais às específicas, passando por um determinado conjunto de anos de experiência prática (?!), idade entre os 25 e os 35 anos, viatura própria, disponibilidade total... e por aí fora.
           
            Nesta conformidade, está instalada a trapalhada e, os velhos, leia-se, acima dos 35 anos, ou recorrem à mendicidade – passiva ou activa –, isto é, ou se encostam à família cuja progénie tinham já rendido através da salutar autonomização, emancipação e independência, ou vão mesmo estender a mão à caridade alheia. É que os desta fase etária, ainda que não sendo velhos, são já olhados como trapos, desperdícios sociais. Aos velhos propriamente ditos, acima dos 60 anos, caso tenham conseguido manter o emprego, exige-se-lhes que continuem a trabalhar até aos 67 anos, até ver... O discurso habitual é que o dinheiro é sempre escasso, quando se trata de pessoas; não para a Banca ou para a gula dos mercados, para as negociatas suicidas do estado, para aplicar nas insidiosas manobras de criação de factos consumados que visam inflacionar artificialmente os custos, entre outras estratégias aberrantes.

            Mas, para quem deixou já as rotinas laborais, o tempo, os recursos e todo o tipo de relações humanas irão sofrer, por isso mesmo, alterações drásticas, a vários níveis: a interacção profissional, sindical, política, familiar, social dilui-se ou desaparece mesmo de acordo com determinadas vertentes do protagonismo anteriormente levado a efeito, dando lugar ao esvaziamento relacional. Ainda por cima, o cinismo ideológico colocado ao serviço da incompetência governamental, volta a aplicar os mesmos impostos que tinham já tributado o vencimento bruto dos trabalhadores no activo, sobre a parte deduzida para efeitos de aposentação e reforma, sendo esta agora objecto de uma dupla tributação, para além de sobre-taxas e outras subtracções impensáveis. Esta referência deve-se ao facto de, na prática, o reformado estar coagido a não ser mais do que um mero consumidor, pois todos os outros papéis lhe foram sonegados, mas nem assim o respeitam. E, como se tudo isto não bastasse, muitos ficam mais tristes, sós e abandonados, quando surge a viuvez.

            É neste contexto que se vai alterando, gradual ou bruscamente, o “self”, “O Sentimento de Si, do corpo, da emocionalidade, da consciência” (Damásio, 2013), a requerer uma nova energia, no sentido de um novo equilíbrio de readaptação ao social que não frustre o ideal a que o “self” se deve reajustar.

            O psiquismo dos indivíduos com mais de 60 anos sofre ainda a pressão exercida pelo paulatino decréscimo de energia física e anímica e a consequente perda de mobilidade; a perda da acuidade visual e auditiva (embotamento dos sentidos), logo, do interesse intelectual; tudo somado, provoca efeitos psicológicos e afectivos demolidores, menor interacção com os outros e perda da realidade de si.

            Tal como o progresso, também a crise acaba por ser um pau de dois bicos na situação constrangedora/confrangedora a que estão sujeitos os maiores de 60 anos. Por tudo isto, que lugar cabe hoje aos velhos ocupar?! Conforme se depreende da leitura dos parágrafos anteriores, nomeadamente quando se fala de critérios de selecção para novos empregos, ou de desemprego prematuro, de longa duração ou definitivo, os velhos têm sido instados, face à actual quebra da coesão económica e social de cariz institucional, a retomar o papel de cuidadores, partilhando os seus parcos e (sub)traídos recursos com os filhos e familiares mais próximos, o que não deixa de lhes conferir uma certa utilidade actuante. Esta realidade tem efeitos duais, ou seja, se, por um lado, precariza as suas vidas materiais, por outro, esse culto altruísta faculta-lhes o incremento da auto-estima, do amor-próprio, do seu lugar de pertença e inserção, atenuando aquilo a que alguém chamou – “complexo do ninho vazio”. Mas isto, só se passa, quando os familiares beneficiados conseguem reconhecer o esforço dos ascendentes, sabendo ser humildes, respeitadores e agradecidos.

domingo, 13 de março de 2016

ROTEIRO LEGISLATIVO E PRÁXIS CURRICULAR - O PAPEL DO PROFESSOR




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        Há já 10 anos, foi publicado, em Diário da República, de 16 de Junho de 2006, o Despacho n.º 12.591/2006 (2.ª série), no seguimento da catadupa legislativa que tem visado balizar a nova forma de encarar o ensino Básico obrigatório, mormente o do 1.º Ciclo, no que diz respeito, principalmente, à promoção das actividades de enriquecimento curricular, “seleccionadas de acordo com os objectivos definidos no projecto educativo do agrupamento de escolas e que devem constar do respectivo plano anual de actividades”, conforme se lê no ponto 8 do aludido Despacho.

         O Apoio ao Estudo e o Ensino do Inglês para os alunos dos 3.º e 4.º anos de escolaridade, constituem actividades obrigatórias, a implementar já no ano lectivo de 2006/2007, para além do ensino de outras línguas estrangeiras, da Actividade física e desportiva, do Ensino da música, de Outras expressões artísticas e de Outras actividades que incidam nos domínios identificados.

     Todas estas actividades têm tempos e intervalos definidos (consultar o Despacho) e poderão contar com o apoio “promotor” das Autarquias locais, das Associações de pais e de encarregados de educação, de Instituições de solidariedade social e de Agrupamentos de escolas.

         Neste diploma legal encontram-se também definidas, entre outras coisas, a programação das actividades, o seu acompanhamento, avaliação e as várias reuniões. No capítulo II, artigo 3.º é tratado o acesso ao financiamento, principalmente para a leccionação do Inglês e, no capítulo III define-se o perfil dos professores daquela língua estrangeira, da actividade física e desportiva e do ensino da música, bem como de outras actividades de enriquecimento curricular.

            Já no ano de 2001, através do Decreto-lei n.º 6/2001, procedia-se a uma reorganização do currículo do ensino básico, consagrando “três novas áreas curriculares não disciplinares, bem como “a obrigatoriedade do ensino experimental das ciências, o aprofundamento da aprendizagem das línguas modernas, o desenvolvimento da educação artística e da educação para a cidadania e o reforço do núcleo central do currículo nos domínios da língua materna e da matemática”.

          O ponto 4 do artigo 2.º, do decreto em apreço, aponta para o projecto curricular de turma, aprovado e avaliado pelo professor titular de turma, em articulação com o conselho de docentes, sendo  elaborado a partir das estratégias de concretização e desenvolvimento do currículo nacional e do projecto curricular de escola.

            Fundamental ainda, para que seja possível proceder a uma avaliação das aprendizagens e competências dos alunos dos três ciclos do ensino obrigatório, de forma legalmente enquadrada, continua a ser o Despacho Normativo n.º 1/2005 de 5 de Janeiro que, sobre esta matéria, viria a revogar os anteriores diplomas.

         No entanto, para a análise da temática vertente, importa que lancemos, desde já, um olhar rápido à situação da Educação e do Ensino, no período imediatamente anterior à revolução ocorrida no dia 25 de Abril de 1974: nessa altura o currículo era rígido, imposto, ideológico, numa sociedade onde o poder se encontrava centralizado na capital e daí ditava o que bem queria e lhe interessava, manobrando um sistema educativo frequentado apenas por quem queria e podia prosseguir estudos.

            De seguida atentemos ao fenómeno despoletado pela massificação do ensino, já depois da instauração da democracia, e ao alargamento da frequência obrigatória, primeiro para os 12 anos de idade e, depois, para os quinze, a determinar o insucesso em doses industriais, também por falta de bom senso e adequação das políticas educativas.

         No que diz respeito à legislação, apontemos a Constituição da República Portuguesa de 1976, que alicerça a jovem democracia de então e fala em igualdade de oportunidades e acesso, tornando cada vez mais premente a necessidade de uma Lei de Bases que equacionasse e balizasse toda a estrutura do Sistema Educativo Português. Esta surgiu, enfim, através da Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro.

        Também a Reforma Educativa, estudada e apresentada pela respectiva Comissão (1987/1988), aventa novos protagonismos para os professores e para as escolas; fala em projecto educativo de escola, em descentralização, em autonomia, em participação; em diversificação curricular; em actividades de complemento curricular e outros conceitos novos e promissores.

            A Lei de Bases, no seu artigo 47.º, pontos 2 e 4, faz alusão a planos curriculares de adequação (Formação Pessoal e Social), a conteúdos flexíveis, integrando componentes regionais.

            João Formosinho (Universidade do Minho), em 1989, contrapõe à democracia representativa centralizada, que até aí orientava toda a orgânica da escola portuguesa, a democracia participativa descentralizada, que prepara o caminho e torna possível a gestão flexível – sensata – dizemos nós, do currículo, enquanto percurso, caminho, algo que nos conduza ou possa conduzir a bom porto, concebendo-o como um projecto aberto e plasticinado, susceptível de ser construído e reconstruído e adequado aos diferentes contextos educativos aos quais se dirige.



      Importantes foram também os diplomas legais entretanto publicados (uns mais do que outros, outros ainda perfeitamente ineficazes), mas, cabalmente demonstrativos de uma certa mudança, na forma como se passou a encarar certas problemáticas ligadas à Educação, em Portugal, quanto mais não fosse, ao nível das intenções lavradas no papel... Estamos a pensar, fundamentalmente, no Regime Jurídico da Autonomia das Escolas (Dec.-Lei n.º 172/91 de 10 de Maio e no Dec.-Lei n.º 43/89 de 3 de Fevereiro), este último deveras marcante.

        Mais recentemente o Ministério da Educação fez publicar o Dec.-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio e o Decreto Regulamentar n.º 12, de 29 de Agosto, ambos aparecidos para estruturar os tão financeiramente desamparados Agrupamento de Escolas, aos quais chamamos, com certa mágoa, (Escolas (A)mal(g)amadas).

            (...) Torna-se urgente o discernimento do professor, enquanto mediador entre a teoria e a prática, entre o currículo formal e a intervenção directa (interactividade nas escolas).

       O professor, enquanto profissional reflexivo, deve desenvolver conhecimentos, atitudes e competências, abordando o currículo como investigador e experimentador, edificando, construindo ele mesmo, em função das necessidades, das diversidades e especificidades várias, racional e autonomamente, reflectindo em equipa, criticamente.

            Ao desenvolvimento curricular deve estar sempre aliado o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento comunitário. Assim, o currículo deve assumir-se como um projecto integrado, a construir nas escolas, a partir do desenho inicial – o programa nacional, na linha de uma análise cuidada, seguida de investigação e adequação.

            O projecto curricular é “uma proposta teórico-prática de investigação e desenvolvimento curricular”, no dizer de Bonafé – 1991, através da qual se faz uma mediação entre determinadas intenções educativas e sociais e os processos práticos de socialização cultural dentro das salas de aula e das escolas. Neste sentido, o projecto curricular surge como um instrumento de reflexão sobre a natureza da função educativa e cultural que se realiza nas escolas, através da explicitação e compromisso com um modelo elaborado a partir de considerações de ordem sociológica, epistemológica, ética, psicológica e pedagógica e, ao mesmo tempo, como um instrumento de transformação das práticas, mediante propostas de intervenção metodológica que consubstanciem o próprio currículo.

            (...) Relativamente a uma ainda bem recente componente curricular, de seu nome “Área-Escola”, podemos dizer tratar-se de uma área aberta, integradora de saberes e experiências, interdisciplinar, que pode congregar professores e alunos, iniciando estes nas metodologias de projecto, globalizadoras e que deve tornar as aprendizagens significativas.

            Logo a seguir surgiu a “Área de Projecto” que, na prática, mais não é do que a Área-Escola” que, de resto, viria a ser regulamentada ao pormenor mais ínfimo, contrariando a sua própria lógica intrínseca de abertura, liberdade, autonomia e integração. Pena é que nos continuem a negar as equipas multidisciplinares e até o simples professor de apoio nas salas de aula onde se aglomeram vários anos de escolaridade (1.º Ciclo do Ensino Básico).

            O Estudo Acompanhado (que sempre se praticou no Ciclo inicial obrigatório) é uma outra área curricular não disciplinar, a par da Educação Cívica, área que se confunde com a da Educação Pessoal e Social. Quanto à Educação Sexual... Esta pode muito bem ser transversal, sem ser disciplina, e ser ministrada com a sensatez que tal matéria implica.
            Permitam-nos que opinemos, tendo em conta o que fica exposto, para acrescentar que no caso concreto desta nova reforma curricular, a mesma terá surgido perfeitamente desgarrada da realidade, descontextualizada, dado pretender ser primeiro andar de acabamentos melhorados, por cima de um rés-do-chão em ruínas. Considerámos que na altura própria não foi efectuada a devida avaliação, de todo o sistema educativo e, a sê-lo, deveria ter ocorrido na pessoa de quem por dentro dele trabalha: pelos profissionais no terreno.

            (...)Fulcral também, sob o ponto de vista do desenvolvimento curricular, no âmbito da gestão cuidada e sensata do currículo, é a avaliação, enquanto instrumento formativo, processual que estimula e respeita os ritmos e as capacidades dos alunos.

            Ao nível profissional e autónomo dos agentes educativos, convém ter sempre em conta as decisões educativas de consenso, no quadro da aplicação racional do currículo, aos diferentes contextos sociais e comunitários, sustentado no Projecto Educativo d Escola, reforçando a autonomia da própria escola, através de uma gestão participada que estimule as relações entre a Escola e o Meio onde está implementada.

            “Os projectos curriculares são um espaço importante”, como refere Bonafé (1991), “quer de reflexão e discussão sobre os problemas educativos fundamentais (que cultura e que saber, para que escola, em que sociedade), quer de tomada de decisões pedagógico-didácticas para melhorar as práticas educativas.”

            Já L. Del Carmen e T. Zabala (1991) definem Projecto Curricular como um “conjunto de decisões articuladas, partilhadas pela equipa docente de um centro educativo, tendentes a dotar de maior coerência a sua actuação, concretizando as orientações curriculares de âmbito nacional em propostas globais de intervenção pedagógico-didáctica adequadas a um contexto específico.”

            Alonso (1993) entende o  Currículo como “um projecto integrado e global de cultura (aprendizagem a realizar) e de formação (capacidades a desenvolver) que fundamenta, articula e orienta as decisões sobre a intervenção pedagógica nas escolas, com o fim de permitir uma mediação educativa de qualidade para todos os alunos.”

            O Projecto Curricular é “representação antecipadora (Barbier, 1993) de uma realidade educativa susceptível de mudança (...)”



            Vamos agora tentar concluir esta breve abordagem, que procurámos fazer, da práxis curricular, no seguimento do roteiro legislativo de que dispomos, fazendo notar, entretanto, o quão aliciante e complexa a mesma se nos afigura, sem deixar de ser ainda manifestamente problemática, no que diz respeito à sua aplicação prática, dado que, se por um lado se aconselha uma gestão curricular de forma racionalmente sustentada, em função das realidades diversificadas, diferenciadas, por outro lado, essa mesma gestão flexível só pode sê-lo até determinados limites, pois não há nada na vida que possa ser encarado em termos absolutos e, no caso concreto do sistema educativo nacional, todos estamos infelizmente conscientes dos males e contradições de que o mesmo enferma, o que muitas vezes contraria, impede, bloqueia ou condiciona qualquer boa vontade, por mais maleável que a mesma intente ser.

            Apoiemos, no entanto, a teoria e a prática do projecto curricular numa concepção construtivista do desenvolvimento humano, fomentando o desenvolvimento global do aluno, equilibradamente, não apenas cognitivamente, articulado de forma continuada e integrada, fazendo com que a estrutura curricular possibilite às crianças escolarizadas uma formação consistente e significativa.

            A abordagem globalizadora do projecto curricular organiza os conteúdos em sequência da aprendizagem (actividades integradoras) ligadas a contextos e vivências das crianças, de forma interdisciplinar, integrando a complexidade do real.

            O currículo é uma construção social, um comprometimento com a comunidade, recriando práticas e interiorizando valores, num desenrolar permanente de atitudes atentas e introspectivas, de posturas activas e analíticas, de acções articuladas e pensadas, tendo sempre em vista o possível e o impossível, o viável e o inviável, indissociavelmente assentes na dignidade profissional dos docentes e no respeito inalienável devido aos alunos enquanto seres em formação/desenvolvimento, para a vida em sociedade, nas múltiplas inter-relações cívicas e familiares que o futuro gradualmente lhes for trazendo, com as quais se terão de ver confrontados, devendo sempre protagonizá-las de forma positivamente sucedida, no papel de actores de um mundo em mudança que persegue a paz, a qualidade de vida e a felicidade.

            Por último, e no que toca à avaliação de um trabalho deste tipo, “tendo em conta os critérios de abertura, flexibilidade e dinamicidade de um projecto de desenvolvimento curricular, torna-se necessária uma constante acção/reflexão/acção que permita verificar a adequação das decisões tomadas às necessidades detectadas”, como se pode ler nas páginas 108 e 109 da obra “A Construção do Currículo na Escola” (1994).

            “Toda a prática educativa implica a sua avaliação. Neste sentido, os docentes avaliarão, quer o projecto, quer o processo de ensino-aprendizagem, na sua globalidade. Avaliar-se-á este processo enquanto construção progressiva, onde os objectivos se estabelecem mais sob a forma de processos pessoais a desenvolver do que de resultados precisos de aprendizagem que se antecipam. Neste sentido, os conteúdos instrumentais face aos objectivos educacionais estabelecidos. Serão também objecto de avaliação, a actuação do professor, a participação da comunidade, a adequação das actividades, recursos e materiais utilizados, a temporização do projecto, os conteúdos seleccionados e a sua sequencialização, a orientação metodológica, etc..”
Todo este processo de avaliação contínua facilitará a tomada de decisões e a introdução de alterações nas programações seguintes.

            “Nesta perspectiva, a avaliação assume um carácter globalizante, formativo, integrado e contínuo, funcionando como fio condutor do projecto e de todo o processo de ensino-aprendizagem, abrangendo o domínio dos conhecimentos, das capacidades e atitudes. Assim, a avaliação é favorecedora de progressão pessoal e da autonomia dos alunos, na medida em que se encontram directamente implicados no processo, e permite ao professor controlar, reformular, adequar e melhorar a sua prática pedagógica.”


            “O professor poderá utilizar diferentes instrumentos de avaliação, nomeadamente a observação directa, as produções dos alunos e o grau de envolvimento nas actividades de ensino-aprendizagem, no sentido de se orientar nas dificuldades e valorizar os seus progressos e, simultaneamente, recolher informação diversa para a realização de novos projectos significativos, que constituam novos desafios para os alunos e para toda a comunidade educativa.” 

quinta-feira, 10 de março de 2016

POLÍTICA(S) EDUCATIVA(S) OU NOMADISMO DELIRANTE



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" Pink Floyd -The Wall "


            Salazar, durante a vigência do Estado Novo, procurou, por norma, tirar partido do analfabetismo e ignorância, que, aliás, fomentava, da maioria do povo português, visando colher determinados dividendos políticos.

            A estratégia adoptada pelo mentor do Estado Novo estribou-se sempre em princípios, afinal, extraordinariamente simples, mas eficazes, que julgamos poder traduzir nos dois seguintes ditados populares: “Se quem não sabe é como quem não vê”, logo, “Quem não vê não peca”.

        Garantia-se, desta maneira, o comportamento condicionadamente “impecável” de todo um povo, dado que na quase total ausência de formação, informação, conhecimentos  e competências, opinião e massa crítica, não obstante o riquíssimo legado cultural que, de geração em geração, ia passando, não era possível a criação e desenvolvimento de espírito crítico, reivindicativo e combativo, chegando e sobrando as energias das massas para fins estritos de obediência e trabalho.

            Para pensar, lá estava a elite dirigente, ou seja, exactamente o inverso do que preconizavam os republicanos, logo a seguir a 1910. De resto, Salazar, no ano de 1954, durante uma entrevista, afirmou mesmo não acreditar no sufrágio universal, nem na igualdade, mas sim na hierarquia.

            Podemos agora referir, enquanto fundamento do que atrás fica dito, que, logo a 17 de Maio de 1927, o Decreto 13.619 faria encolher a escolaridade obrigatória para quatro anos. Uma outra amputação ainda na duração da frequência escolar, viria a reduzir esta, de acordo com o Decreto 18.140, de 22 de Março de 1930, para três anos apenas, ficando concluída no final do 1.º grau.

            Um ano depois seriam chamados ao ensino os regentes escolares, pessoas sem qualquer tipo de preparação, bastando para o efeito a posse de “idoneidade comprovada”. E por aí fora, malhando o regime umas vezes no cravo, outras na ferradura, através de um longo cortejo legislativo que culminaria em Abril de 1974.

            Desta maneira, e em conclusão, ficam enunciadas algumas medidas paradigmáticas que sublinham a preocupação do Estado Novo em desvalorizar o ensino e a educação das massas, em concomitância com a desqualificação profissional dos professores, principalmente os da instrução primária, sem descurar uma terceira e necessária vertente, que tinha a ver com a “promoção da função doutrinadora nacionalista” (Sarmento, 1991).

            Recorrendo ainda a este autor, citaremos os cinco períodos em que o mesmo divide o sistema educativo até 1974, em função dos eventos históricos propostos por João Formosinho: “Constituição de 33 – período de formação (1927-36); fim da II Guerra Mundial – período de mobilização (1936-47); candidatura de Humberto Delgado – período de estabilização (1947-64); doença de Salazar – período de estagnação e declínio (1964-70; evento não citado”, mas, sugerimos nós –  indefinição Marcelista – “período de continuidade (1970-74)”.

            Posto isto, no pós-25 de Abril de 1974, não só a política educativa do poder governativo em Portugal, mas também a forma, nem sempre subtil, como a educação política do poder sindical e partidário, ainda hoje, é nossa convicção, tenta fazer o aproveitamento grosseiro e demagógico do analfabetismo e ignorância persistentes, do intermitente nível de frequência e baixo aproveitamento escolares, do abandono e da tendência praticamente inexistente para a leitura de que enferma a nossa população, da desconsideração dos docentes, vistos como meros condenados a trabalhos forçados, que deverão cumprir uma carreira descaracterizada, mas de altíssimo risco, desgaste rápido e remuneração simbólica, tal como no passado, tem servido para colher certos dividendos políticos, sociais e economicistas, no pior sentido.

            Curiosamente, a nova Constituição (1976) fala na igualdade de oportunidades de todos no acesso à educação; a Lei de Bases do Sistema Educativo – n.º 46/86, de 14 de Outubro, estabelece uma escolaridade básica obrigatória de nove anos, isto é, a escola de massas passa a obrigar ao estudo muitos daqueles que gostariam de fazer tudo o mais, menos ir à escola; Portugal integra a Comunidade Económica Europeia; vive-se a crise do crescimento, uma vez mais, sem desenvolvimento palpável; surgem as novas tecnologias; a televisão invade, em doses duras, os domicílios dos portugueses; publica-se em 1990, o Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, ou seja, o Estatuto da carreira dos educadores de Infância e dos professores do Ensino Básico e secundário, substituído por um outro em Janeiro de 2007, sem que o primeiro tenha alguma vez sido regulamentado nos seus pontos essenciais. O segundo, intragável, aniquilou a classe docente, conforme se alude no início da presente página, dando continuidade ao nomadismo delirante das políticas educativas; os professores, agora com mais formação, especializações, mestrados, doutoramentos, dedicam-se mais à investigação, apostando no ensino de qualidade, na mudança... em vão, dado que não lhes é reconhecida nem levada em conta a salutar capacidade reflexiva e crítica que fomenta a iniciativa e a criatividade em autonomia. Impõe-se-lhes que sejam meros bur(r)ocratas de carga.

            Embora os professores trabalhem exaustivamente em todas as frentes, implementando uma educação/ensino ao serviço de todos e de cada um, na construção de uma sociedade melhor, são alvo do parodoxal anátema da culpabilização, de um escaldante estigma persecutório, a partir da própria tutela. Criticar torna-se, assim, perigosamente fácil, quando se joga com arbítrio, demagogia, ignorância, subjectivismo e sincretismo, como parece acontecer com os poderes tutelares, governamentais, partidários e sindicais, que, ao tratarem questões fulcrais, logo da máxima importância para o país, de forma menos própria, esclarecida e até mal gerida, vão incorrendo na deseducação das pessoas, tirando partido das contradições resultantes da complexa massificação do ensino, por um lado, e, por outro, do megafenómeno da propaganda mediática que constitui o magnetismo televisivo, quer atrás quer à frente da objectiva.

            Por que se amordaçam os docentes sobre as matérias que só a eles dizem respeito?
           
            Com efeito, proliferam por aí um sem número de criaturas, dos diversos sectores de opinião, mais ou menos iluminadas por uma sui generis capacidade analítica, que se arrogam o petulante direito, a inconveniente disponibilidade e a imprecisa preparação, desconhecimento ou ignorância, de tudo observarem, criticarem ou sugerirem sobre educação, a par das desconcertantes medidas que as várias equipas ministeriais ligadas à pasta da educação vão fazendo cair no Diário da República, sem saberem bem porquê nem porque não, ainda que pensem o contrário... ao longo dos últimos cem anos!