domingo, 20 de dezembro de 2015

A QUESTÃO DOS EXAMES




         Com a tomada de posse, em Portugal, do 21.º Governo, há escassas semanas, e o consequente início do respectivo exercício de poder, começaram a desenhar-se algumas alterações de fundo, nomeadamente, ao nível do Sistema Educativo Nacional. Estamos a falar do cancelamento (abolição) de situações de exame a que eram submetidos os alunos do 4.º ano de escolaridade. Provavelmente, outros cancelamentos se lhe seguirão, pelos mesmos motivos (?!), no que diz respeito aos 6.º e 9.º anos de escolaridade e, quem sabe, no que concerne ao 12.º.

            Há quem afirme tratar-se de razões de cariz ideológico; há quem aponte motivos educacionais; há mesmo quem diga que os exames constituem situações pouco saudáveis, passíveis de gerar traumas e sofrimento depressivo; e há quem advogue, pelo contrário, que as crianças saem robustecidas e mais preparadas para os desafios e para as dificuldades da vida.

            Evidentemente que tudo isto se passa, com maior ou menor expressão, tudo dependendo da pessoa em causa e dos múltiplos contextos situacionais onde a mesma se insere, e, sendo assim, resta agora colocar nos pratos da balança os prós e os contras e chegar a uma conclusão producente e edificante.

            É que os especialistas em educação infantil e juvenil são de opinião de que não é possível o crescimento e o desenvolvimento sem a vivência, na altura própria, de experiências significativas, devidamente enquadradas. Só assim a criança vai adquirindo, gradualmente, capacidade de autonomia e individuação, e sentido de responsabilidade; só dessa maneira consegue amadurecer e construir a sua identidade estruturada numa personalidade sadia e afirmativa.

            A criança nasceu dos pais, e, a partir destes, com apoio sério, descomprometido e oblativo – não captativo –,  vai poder distanciar-se primeiro dos progenitores que a souberam preparar para o efeito, e depois afirmar-se no seio dos seus pares, no sentido de uma dinâmica exterior, responsável, rendendo, assim, no devido tempo, a geração anterior.

            Hoje em dia são imensas e exaustivas as manobras de diversão e de dispersão dos estudantes: as TIC, os canais televisivos de programação abstrusa, as rocalhadas ao vivo, o álcool, os jogos de vídeo, entre outras, e, a juntar a tudo isto, a total ausência de rigor e exigência na preparação das suas vidas em contexto familiar, de sala de aula e institucional. 

            O resultado é uma praticamente nula capacidade de concentração da atenção e de aceitação de regras; hiperactividade e nervosismo patogénico; interesses selectivos infantilizados (padronizados – condicionantes e condicionados); comportamentos caóticos facilitados pelos pais incapazes e ignorantes; inexistência de capacidade analítico-sintética e reflexiva, na prática, porque vão sendo vítimas de pedagogias que visam o facilitismo, a mediocridade e a improvisação, ao invés de fomentarem a criatividade e o sentido crítico.

            Não cultivam hábitos de leitura (bons autores literários, filosóficos, e outros, inseridos no vasto campo da antropologia cultural, por exemplo); não investigam nem procuram saber; não sabem falar direito nem escrever com um mínimo de coerência sintagmática, logo, a comunicação e a simbolização vão enfermando de défices redutores que primitivizam os indivíduos.

            Enfim, num mundo difícil e complexo, repleto de desafios a exigir bem alicerçadas competências pessoais e sociais; numa sociedade estruturada em normas, códigos, estatutos, leis, directivas, princípios, para além de muitas outras imposições, os exames (avaliações convenientemente tipificadas e enquadradas), enquanto fenómenos ritualizados de preparação para a vida, só favorecem o fortalecimento e a integração, a estabilização de competências e saberes e a auto-estima, a estruturação da personalidade, o reforço do estímulo para a consagração da dinâmica da identificação, e a consolidação do nível de excelência de cada uma das crianças ou de cada um dos jovens que se dispõem a encarar o futuro com alegria e orgulho de ser. Saibam os paizinhos... e os governos estar à altura!
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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O SER E A APARÊNCIA

(Imagem do Google)
      
      Tudo o que é, não deixará nunca de o ser. Tudo o que percepcionamos, acaba por resultar sempre, necessariamente, da falibilidade dos nossos sentidos, daí não haver nunca coincidência entre o ser e a aparência; daí que o real não passe nunca de uma mera ilusão dos sentidos que o subjectivam e distorcem...
            
      Não, não vamos maçar o leitor com considerações filosóficas. Vamos antes, isso sim, conversar um pouco sobre certos fenómenos que ocorreram na campanha eleitoral de 2011 – a deste ano está ainda muito fresca – e que, aparentemente, distorceram a realidade, não sabemos se por mero acaso, se por força de concertadas estratégias desviantes, a par daquilo que se passa, também, no âmbito da diarreica profusão de sondagens, claramente penalizadoras da nossa tão maltratada democracia. 

      

      É que, ao invés de se formar e informar o povo, de acordo com aquilo que deveriam ser as campanhas eleitorais, apresenta-se-lhe um mal urdido conjunto de cortejos delirantes, incompreensivelmente ofensivos, onde perpassam as mais ridículas baboseiras, que as televisões cobrem exaustivamente, numa clara opção pelo interessante, em detrimento do importante, facultanto às audiências o que elas querem ver, e não o que deve ser visto – tudo isto calculadamente entremeado, como se disse, por um autêntico cataclismo de sondagens.
       
      Logo nos primeiros dias da campanha, surgiu a notícia (divulgada pelos habituais meios de comunicação social) de que cerca de 180.000 trabalhadores, tinham sido apagados dos ficheiros informáticos... Evidentemente que, e repetimos, nos reportamos apenas ao que a comunicação social fez passar, até porque está fora de questão ir mais longe. No entanto, e a exemplo do episódio referido, recorda-se aqui o que se passou na “civilizadíssima” França, em 1 de Agosto de 1995. Calculem!: foram não só suprimidos das listas estatísticas 300.000 desempregados, mas também todos os trabalhadores que cumprissem 78 horas de trabalho por mês... Leram bem, 78 horas mensais.
            
      Esta habilidade constituiu o ovo de Colombo! Mas como é que não se tinham lembrado antes?! Ardilosa brincadeira, esta; deplorável esperteza saloia... Divertida, no entanto, para quem não faz parte dos números, e com eles consegue jogar e viver, ostentando vergonhosas falsificações, numa estranha engenharia de interesses onde impera a demagogia, a falta de carácter e o eleitoralismo mais execrável.

            
      Quem pensa nas pessoas, afinal?! A democracia, esta democracia, não pode forçar os cidadãos a serem projectos de vida falidos, números estatisticamente enclausurados.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A ILUSÃO DE COMUNICAR



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         Hoje em dia, o comportamento do homem em situação é caracterizado mais em função da sua capacidade de reacção motivada do que por uma espécie de intrínseca e genuína necessidade de acção. Esta resultaria de uma etologia saudável; aquela surge do imperativo de tentar compensar a dor mental que atormenta o quotidiano dos indivíduos.

            Este tipo de sofrimento advém da vulgarização da omnipotência em detrimento do uso do pensamento; da negação das aprendizagens empíricas em favor de afirmações identitárias omniscientes; da assunção prepotente de posturas esquizóides inconsistentes, porque sonegam a dependência e a fragilidade humanas. Tudo isto gera confusão e ambiguidade, sem deixar de configurar estranhos mecanismos de defesa e readaptação às cada vez mais complexas condições de existência da sociedade actual (Bion, 1991; Zimerman, 2004, cit. in Wolff, 2011).

            E é esta mesma sociedade que nos impõe, em tempo real, a omnipresença das novas tecnologias de informação e comunicação, às quais se ligam os indivíduos de forma viciante, dependente, ambígua, desprovida de lógica, de verdade e de emocionalidade, porque de virtualidade se trata. Fica, por um lado, diluída a territorialidade em nome da globalização, da mesma forma que vamos sendo invadidos por uma espécie de uniformização dos contextos, dos cultos, das crenças, dos ritos e das assunções, a caminho da solidão virtual, do isolamento, da formatação padronizada geradora do pensamento único, na vacuidade do tempo e do lugar; por outro lado, tal estado de coisas potencia a confusão mental ou mesmo a dissociação, disfuncionando o equilíbrio do self.

            A propósito das TIC e das “redes sociais” – o conceito exige uma análise reflexiva profunda e desmistificadora –, há quem afirme que as mesmas potenciam a paulatina diluição da angústia existencial de quem as utiliza... Enfim, como se aquelas fossem capazes de operar a metabolização psíquica de quem a elas se “agarra”, transformando os conteúdos nefastos de cada um em capacidade de sentir e de pensar.
E aqui, servimo-nos dos ensinamentos de Bion, estabelecendo um paralelismo entre o vínculo que se desenha entre a mãe e o bebé, aquando da relação continente-conteúdo, no sentido da resolução dos maus conteúdos infantis transformados pelo bom-seio, e a seguir introjectados pela criança a favor da construção do aparelho de pensar os pensamentos.


            Nas redes sociais, tanto quanto nos parece, será mais o inverso: a inoperância deste fenómeno positivo de metabolização não digere psiquicamente as impressões sensoriais e as emoções, sendo estas evacuadas por identificação projectiva; esta, por sua vez, pode despoletar reacções psicossomáticas e alucinações. E terminamos com o conceito designado por Bion de “ataques aos vínculos”, para referir que esta estranha dependência pode, paradoxalmente, coarctar a comunicação dos indivíduos, refreando a aptidão para pensar, a linguagem, o conhecimento e, até, a própria simbolização (Bion, 1991b, cit. in Wolff, 2011).