sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A CONVERGÊNCIA DOS AFECTOS


        Ainda há poucos dias, na crónica intitulada “Consumição e Consumo”, expressámos a ideia de que o homem é um ser social, conforme afirmou o filósofo grego, Aristóteles (384 AC - 322 AC). Reparem que esta característica tão intrínseca do indivíduo radica exactamente na moção que impele o desejo a dirigir-se ao desejo do outro, e, pela mediação da palavra, pode tornar possível a devida convergência, sempre modelada pela realidade exterior. Esta, no entanto, pode ser excessivamente restritiva ou até disuasora do entendimento recíproco, ficando gorado o apelo ao diálogo e ao intercâmbio relacional, já que o sentimento tem de ser mútuo, conivente e cúmplice.

            Quer as recusas, por um lado, quer as interdições, por outro lado, revestem o desejo humano de uma tonalidade culpabilizante, portadora de angústia; é por este facto que a sexualidade se encontra imbuída de uma forte carga de interdição, culpabilidade ansiosa e recusa. A este propósito, René Laforgue (1894-1962) referiu que o desejo é “captado pelo imaginário simbólico inconsciente”. Logo, só através da palavra é que o desejo tende a perder a sua omnipotência mágica, habilitando o indivíduo ao domínio de si próprio, assumindo, conscientemente (civilizada e educadamente), as respectivas representações verbalizáveis.

 Deixemos, contudo, esta linha de raciocínio e coloquemos a tónica nos fins e nos meios da sexualidade, tendo em conta, embora, a interacção social do indivíduo. Na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, Immanuel Kant (1724-1804) exorta a que nunca se trate o outro niemals bloβ als Mittel, ou seja, o outro não deve ser nunca somente instrumentalizado; isto é, a sua dignidade humana e sexual deve ser tida em conta e respeitada. Ao se estabelecer uma teia mais ou menos ampla de contactos familiares, sociais, laborais e institucionais, a interactividade gerada pelas pessoas, a todos os níveis, não deve transformar cada um dos intervenientes dos processos em causa, em apenas simples meios que visam fins. Isto vale também para a sexualidade (Silva, 2008). 

      Neste âmbito apenas, sempre que o desejo (a líbido), progressivamente maturado, através do desenvolvimento do ser educado em sociedade, se traduz numa sensibilidade sexualizada equilibrada, é possível ao indivíduo amar o outro para além de si mesmo, sem egocentrismos narcisistas doentios. O mesmo vale por dizer, sem necessidade de recurso a fantasias inconscientes, tendentes a criar fixações regressivas (seio materno, auto-erotismo [insatisfação sexual e afectiva crónicas], ciúme [insegurança e imaturidade], incapacidade de individuação clara, autonomia definida e emancipação consolidada [imaturidade e personalidade desestruturada]). Também nestes casos, a sexualidade e a felicidade do casal têm os dias contados, porque sem a sadia convergência dos afectos não há ternura nem amor, nem liberdade nem envolvência gratificante; nem respeito pela dignidade do outro nem pela própria relação dual.
Nota: Imagem do Google

1 comentário:

  1. As relações entre as pessoas e a "convergência dos afectos" são demasiado complexas para serem explicadas mesmo pelos melhores pensantes... Gosto de o ler, amigo.
    Um beijo.

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