domingo, 24 de fevereiro de 2013

AUTOFAGIA ECONÓMICA E MENTAL



            É já impressionante o rol de queixas que os cidadãos portugueses vão tendo dos governantes, dos partidos, e das instituições criadas por uns e por outros, por se permitirem agir, nem sempre através de processos suficientemente transparentes, até porque, quando se trata de auditar todos eles, raras são as vezes em que não vêm a lume um ou outro quid pro quo resultante de erros de avaliação das múltiplas situações em presença (a imperfeição é a essência do ser humano), a exigir, portanto e pelo contrário, a preocupação de comportamentos e protagonismos eivados de bom senso e pragmatismo actuante.
            Mas o mesmo se passa no âmbito da União Europeia (zona Euro ou a 27), depois do eixo franco-alemão ter chegado à conclusão que a bacia carbonífera do Rühr, deixaria de ser pomo de discórdia (tinham motivado as 1.ª e 2.ª Grandes Guerras Mundiais), para, em 1950, passar a ser ponto de partida de interesses comuns – “mudam-se os tempos... (...)” Assim, tanto a França como a Alemanha, passaram a gerir em conjunto o mercado do carvão e do aço através de uma Alta Autoridade. Foi desta maneira que, um ano depois, surgiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que vigoraria a partir de 1952, instituída pelo Tratado de Paris. E por aí fora, invocando sempre acordos e implementando tratados que, a pretexto do bem da união, mais não fazem do que ir debilitando, paulatinamente, os países do Sul da Europa em proveito de interesses hegemónicos de domínio inconcebível. Logo, mais lamúrias, decepções, choro e ranger de dentes.
            E podia falar ainda de outros países, por esse mundo fora, mas vou apenas tocar ao de leve a tese que hoje me traz aqui e concluir rapidamente sobre as disfunções comportamentais dos cidadãos nacionais.
            Face à complexidade factual mal percepcionada de um quotidiano redutor, anacrónico e demencial, uma vez que vai sendo urdido pela incompetente mediocridade dos “heróis” nacionais ungidos pelo voto popular, o povo, incrédulo, mas sempre reincidente, já só sabe chorar as suas mágoas, convencido de que a responsabilidade é apenas dos outros, numa demonstração aflitiva de sintomas neuróticos introjectados, tal como nos descreve Sándor Ferenczi(1873-1937) - contemporâneo e amigo de Freud -, quando adianta que a histeria colectiva força a líbido a desinvestir o objecto, por desprazer, numa transferência incompleta, tendente a diluir as responsabilidades nos outros, enfim.
            No entanto, como todos fazemos exactamento o mesmo, levados por um atavismo arreigado de larguíssimas dezenas de anos... centenas, se dermos ouvidos a Roberto de Mattei, quando este refere os tratados de Westfalia de 1648, enquanto vírus que irá minar a coesão Europeia por rejeição a qualquer referência transcendental. Bom, de volta a Portugal, e, como todos fazemos exactamente o mesmo, repito, recordo o nosso filósofo José Gil: “o queixume delirante constitui também um modo de justificar todo o pragmatismo de sobrevivência, o não-cumprimento da lei, a irresponsabilidade, o “desenrasque” , a esperteza na acção” – saloia, tal como fazem os governos, onde se vão encontrando, cada vez mais, autênticos sucedâneos do chico-espertismo, valorizado desde há muito pelo povo que somos, num processo estranho mas claro e simultâneo de autocomiseração autofágica.
            Por último, e sem pretender particularizar por demais o fenómeno, eis-nos chegados a um beco sem saída, sem ter por onde nem para onde ir, como se a identidade nacional não fosse mais do que o circo estático de uma praia onde, com o tempo e a crise global aliada à inépcia lusitana, o povo e as instituições, quais construções de areia, estão já condenados a se esboroarem sob o efeito inelutável dos ventos de uma psicose fatal.


Por: Humberto Maranduva (Pseudónimo)

1 comentário:

  1. Meu querido
    Belo texto, que descreve in extremis, o ponto a que nós chegamos. E pensar que, metade do mundo já foi nosso!!!...«Those were the days,my friend...»,those were the days!...
    O certo é que nós todos ,também já vivemos in extremis, malheureusement!...
    Não sei aonde iremos parar e ...não estou a ver como vamos sair desta.
    Tu, estás ,como sempre, de parabéns, pela fluência com que as palavras te ocorrem, pela riqueza vocabular,pela boa construção frásica,enfim, por todo o conjunto do teu texto.Continua e, se possível,publica em algum meio mais abrangente da Comunicação Social.
    Beijinhos da
    Mana

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